segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sustentabilidade e Patrimônio

Sustentabilidade e Patrimônio nas cidades
Preservação dos Centros Históricos
Por Carolina Fidalgo de Oliveira
Hoje, ao se pensar no desenvolvimento das cidades, procura-se levar em conta a sustentabilidade, em seus múltiplos aspectos. A princípio, o tema sustentabilidade recorre à urgência de sempre: controle do crescimento das cidades, controle da emissão de poluentes, despoluição de rios e demais cursos de água, aproveitamento das águas pluviais, controle dos desmatamentos, ou seja, preservação e uso consciente dos meios naturais.
De um modo geral, a consciência social pela conservação dos bens naturais e sua importância ambiental, inclusive para as cidades, já foi, pelo menos em parte, assimilada pela sociedade. Afirmar o mesmo, porém, para as questões urbanas é bem mais complicado. Os temas relacionados ao crescimento ou desenvolvimento urbano, ainda envolvem os debates em polêmicas e muitas contradições. Discutem-se, também com foco para a sustentabilidade, a partir da expansão urbana, aspectos como melhoria e ampliação dos transportes coletivos, segurança urbana, qualidade dos espaços públicos, infraestrutura nas periferias, aumento do número de favelas e demais condições precárias de vida, bem como o avanço urbano descontrolado em áreas de preservação ambiental.
Verifica-se que as “edificações sustentáveis” vêm ganhando certo espaço em debates e estudos, teóricos e práticos. Casas comandadas por computadores, programadas para economizar e aproveitar energia solar, águas pluviais, aquecer ou esfriar ambientes, entre outras qualidades vêm sendo testadas e recebem espaço na mídia televisiva, inclusive em horários nobres. Porém, ainda assim, a cidade vista como “organismo” único, complexo, contínuo e interdependente, como suporte para essas “edificações sustentáveis” ainda está à margem das discussões, exceto em um ou outro meio técnico e acadêmico, onde o debate começa a atingir alguma maturidade.
Nesse sentido, é preciso olhar para a cidade existente e, em especial, para os centros das nossas cidades, porque ali se encontram diversos e importantes processos históricos, expressos nos espaços construídos e no modo de usufruir desses espaços, nos diferentes estratos sociais, na infraestrutura urbana, no comércio e serviço diversificado, bem como nas atividades turísticas e de lazer.
Importante ressaltar, contudo, que não se “secciona” historicamente os centros dos demais espaços das cidades e, do mesmo modo, não é possível se referir aos centros apenas pelos motivos de sempre, ou seja, pela infraestrutura instalada, pela facilidade de transporte, pelo acesso aos serviços e ao comércio, pelo estoque de edifícios (em geral caracterizados como antigos), mas também porque nesses centros, histórias urbanas e sociais se somam expondo constantes, e também diferentes, aspectos da identidade e da memória. Neles, evidenciam-se paisagens, em seu conjunto de formas, que, num dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza (2). Neles se evidenciam a “presentificação” das cidades (3), pois nos centros históricos se acumulam as marcas de uma construção histórica, as marcas das sociedades, da cultura, dos conflitos, fracassos e sucessos da cidade. Evidenciam-se processos por meio dos quais se constituem e se legitimam os marcos, lugares e cenários da memória social.
Do mesmo modo, porém, é salutar comentar que não se afirma, pelo contrário, que as outras áreas da cidade são destituídas de história. Longe disso, pois como assegurava o mestre Giulio Carlo Argan (4), não existem partes históricas e partes não históricas na cidade. Não existem partes da cidade no passado. Todas elas se encontram num mesmo tempo presente. É nesse sentido que nos centros históricos podemos presenciar a rugosidade do espaço, tal como definido por Milton Santos (5). Elementos que ficam do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de suspensão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e se acumulam em todos os lugares. Encontramos nos centros históricos divergências e contradições da cidade e também aquilo que é (ou deveria ser) de todos: o Patrimônio.
Patrimônio, não é entendido, portanto, apenas como um conjunto de edificações, cujas características, um dia, foram determinantes para identificar a história de um povo, ou de parte de um povo, e sua nação. Patrimônio não se refere apenas a um conjunto de bens antigos ou aqueles com características semelhantes, mas ao conjunto da cidade, aos espaços e interstícios urbanos que, somados aos edifícios de valor histórico, são portadores de memória. Refere-se às práticas sociais e a formação dos espaços públicos, ao cotidiano, uso e fruição da cidade, a partir das relações de identidade e pertencimento. O historiador Antonio Augusto Arantes discorre sobre essas questões:
“Os habitantes da cidade deslocam-se e situam-se no espaço urbano. Nesse espaço comum, que é cotidianamente trilhado, vão sendo construídas coletivamente as fronteiras simbólicas que separam, aproximam, nivelam ou hierarquizam [...] as categorias e os grupos sociais [...]. Por esse processo, ruas, praças e monumentos transformam-se em suportes físicos de significação e lembranças compartilhadas, que passam a fazer parte da experiência ao se transformarem em balizas reconhecidas de identidades [...] e marcos de pertencimento” (6).
Os centros, porém, têm sido constantemente, e por diversas razões ao longo da história, abandonados, descaracterizados e mal aproveitados, sobretudo em função do rápido crescimento das cidades que, em geral, levam ao aparecimento de novos centros, “dentro do qual o centro tradicional passa a competir com os demais, principalmente do ponto de vista econômico” (7). Além dos mais, os centros são objetos de intervenções muitas vezes incoerentes, tal como as ações de Renovação Urbana empreendidas nas cidades americanas, implantadas sob a hegemonia de grandes empresas, onde se predomina a construção de enormes edifícios de escala desproporcional à vida nas ruas (8). Por outro lado existem algumas boas intenções, como a Reabilitação Urbana empreendida no centro velho da cidade de Barcelona, em que se procurou manter a população residente mais carente nos espaços do centro, sendo a proposta de intervenção urbana amplamente analisada em função das estruturas já consolidadas, de valores histórico e social (9). Porém, na maioria das grandes ou médias cidades, existem, ainda hoje, após anos de investimentos, milhares de imóveis desocupados ou invadidos, espaços obsoletos e mal cuidados, edifícios descaracterizados, entre outros. Nota-se o uso intenso dessas áreas, sobretudo durante o dia, quando as atividades de comércio e serviço proporcionam um fluxo intenso de pedestres, moradores, comerciantes e estudantes. Porém, os espaços urbanos do centro vêm sofrendo, muitas vezes, mudanças não condizentes com a realidade do lugar, na medida em que se modificam espaços, usos, vias, moradores, tal como ocorreu com as cidades americanas e vem, aos poucos, acometendo cidades brasileiras, como o Pelourinho, em Salvador (10).
Nesses casos, como comentou a historiadora Marly Rodrigues, a importância coletiva da memória é tratada apenas com indiferença, de forma incompatível ou como forma de exclusão social, aproveitando-se do objeto cultural como sendo objeto de todos, mas sem ser de ninguém. A exclusão social e urbana impede e limita de diversos modos, aos cidadãos fruidores do patrimônio cultural, a possibilidade de significação e apropriação que tece identidades, protegendo espaços como objetos de interesse coletivo. Ações generalizadas, em que não há a participação da população, tampouco considerações amplas e claras sobre a importância das estruturas mais antigas do centro para a cidade, não sustentam, não impulsionam, não efetivam um plano capaz de manter as correlações entre espaços diferentes, mas dependentes, como as periferias e o Centro Histórico.
Embora o tema da conservação e restauração do patrimônio arquitetônico exista há séculos (11), no Brasil, a preocupação com a proteção de edifícios históricos surgiu, amparada pelo papel do Estado, apenas nas primeiras décadas do século XX e a preocupação com a preservação de centros históricos só ocorreu a partir da segunda metade do mesmo século (12). Na mesma época, muitas cidades brasileiras, com destaque para São Paulo, iniciaram um processo crescente de grandes transformações, envolvendo destruição e substituição de seus edifícios e de suas estruturas urbanas. São Paulo, especificamente, apresentou um rápido e intenso processo de urbanização que levou, entre outros fatores, à desvalorização e “degradação” da área central (13). Após anos de certa inércia, várias intervenções começaram a ser delineadas para o seu centro histórico tendo como parte dos propósitos a valorização do espaço urbano, apoiado em renovações, revitalizações, requalificações ou reabilitações urbanas, bem como em restauros, reciclagens, retrofits e assim por diante. Em linhas bem gerais, e em perspectiva histórica, as renovações urbanas foram implementadas por volta da década de 1960, principalmente nas cidades americanas, e ficaram caracterizadas pela prática do “arrasa-quarteirão” como metodologia de reconstrução de áreas urbanas antigas. Já as revitalizações foram inseridas para caracterizar ações de mote mais econômico, com destaque para obras em infraestrutura, procurando reverter a degradação social através da recuperação econômica. Posteriormente, e sobretudo a partir da década de 1990, a consolidação das parcerias público-privado marcou a substituição das ações de revitalização pelas ações de requalificação urbana. O que estava em pauta não era mais apenas a questão da recuperação da vitalidade das áreas centrais, mas sim a sua “adaptação” às atividades contemporâneas, ressurgindo como espaços competitivos e fortalecidos economicamente, adaptados ao atual contexto da globalização. Nesse contexto evidenciam-se as parcerias entre o poder público e a iniciativa privada. E mais recentemente ganhou destaque a reabilitação urbana em que se priorizam bairros ou áreas residenciais degradadas, procurando manter as populações nesses locais (14).
A partir da segunda metade do século XX, diversas cidades, pelo mundo todo, começaram a vivenciar um crescimento intensificado, bem como mudanças nos sistemas produtivo e social, que ocasionaram o aparecimento desordenado de bairros e periferias. A população urbana cresceu vertiginosamente, assim como os problemas urbanos e sociais. Multiplicou-se a quantidade, enquanto degradou-se a qualidade, ou seja, enquanto as periferias se alargavam, algumas áreas urbanas, o patrimônio, áreas verdes, habitações, entre outros se tornavam obsoletos, inadequados ou insuficientes.
Sabe-se que a cidade já vinha sendo discutida, a partir de vários ângulos, há várias décadas, por intelectuais como John Ruskin, Haussmann, Camillo Sitte, Cerda, Gustavo Giovannoni, entre outros. Porém, o século XX colocou novos parâmetros para essas cidades que precisavam ser modernizadas, reconstruídas e livres das barreiras que impediam o seu “desenvolvimento”. Importante mencionar os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAM, notadamente o de 1933. Depois desse, somente o VIII CIAM, em 1951, colocou o “coração das cidades” no centro dos debates, em oposição às raízes mais radicais do Movimento Moderno que “negavam” a história; ou seja, na contramão do processo de urbanização dominante, como resultado de processos históricos, o desenvolvimento urbano permitiu conhecer e identificar partes mais antigas das cidades, em geral os centros, e suas características particulares, apreendidas por seus aspectos simbólicos, cognitivos, culturais, estéticos, históricos, entre outros. Nas palavras da historiadora Françoise Choay, “foi justamente tornando-se um obstáculo ao livre desdobramento das novas modalidades de organização do espaço urbano que as formações antigas adquiriram sua identidade conceitual” (15).
Todavia, a intensificação da urbanização e o constante crescimento das periferias condicionaram novas querelas acerca do centro urbano. De um lado colocava-se a valorização econômica a partir da manutenção de atividades lucrativas, com comércio e serviço diversificado, lojas, escritórios e atividades turísticas; de outro, o desgaste do tecido urbano na medida em que a consolidação do traçado e das vias de trânsito intenso contribuiu para a expulsão ou saída de habitantes e atividades mais tradicionais do Centro (16). Em última instância, porém, reconheceu-se que os centros históricos das cidades apresentavam características especiais (entre elas o patrimônio), que precisavam ser conservadas, uma vez que possibilitavam a fruição histórica, tecendo identidade e alimentando a memória.
Desse modo, tanto no contexto europeu, quanto no latino-americano, a partir da década de 1970, um número considerável de cidades passou a se preocupar com suas áreas centrais, introduzindo a questão da preservação do patrimônio histórico como a cidade de Bolonha, na Itália (17). Ao longo desse período diversos encontros de patrimônio - nacionais e internacionais - contribuíram para debater algumas questões, procurando integrar os conjuntos históricos à vida contemporânea e coletiva, a exemplo da “Recomendação sobre a salvaguarda de conjuntos históricos e da sua função na vida contemporânea”, da UNESCO de 1972 e a “Carta de Washington”, realizado no âmbito do ICOMOS, em 1986. Foi também a partir desse período que se ampliou o número de órgãos de preservação em nível municipal e estadual, responsáveis pela tutela dos bens culturais. Entre o final da década de 1980 e início de 1990, em síntese, os centros históricos entraram, definitivamente, para o universo dos planos, programas, projetos e demais ações vinculadas ao planejamento urbano, procurando se relacionar às diversas políticas setoriais (18), bem como ao tecido urbano existente, contemplando entre outros objetivos a melhoria, a identificação, proteção e promoção dessas áreas.
Havia, porém, uma herança delicada, problemas diversos a serem resolvidos. Entre os mais citados como segurança, limpeza, comércio irregular, poluição, cortiços, acessibilidade entre outros, destaca-se, mais uma vez, aquele que talvez seja, hoje, um dos mais importantes, também em função da sustentabilidade das cidades: a enorme quantidade de imóveis vazios nas áreas centrais, evidenciando um estoque habitacional subutilizado (19), enquanto o seu inverso, as periferias, crescem de forma ascendente.

O artigo relaciona a preservação em centros históricos, ao crescimento urbano, habitação e sustentabilidade. Apresenta um panorama das ações empreendidas no centro histórico de São Paulo, apontando para usos diversos ao patrimônio, como habitação.

OLIVEIRA, Carolina Fidalgo de. Sustentabilidade nas cidades. Preservação dos Centros Históricos. Arquitextos, São Paulo, 10.125, Vitruvius, out 2010


As grandes metrópoles passam por são por momentos de grande desordem operacional. Há uma deshumanização dos centros. É necessário como medidas de emergência a ocupação dos prédios abandonados nos centros das cidades como no caso de São Paulo e Belo Horizonte. Utilizando-os para habitar e melhorar a gestão das cidades, evitando a degradação de novos ambientes para com a construção de novos prédios, dimnuindo o gastos com transportes públicos e privados e melhorando a qualidade de vida de quem trabalha no centro da cidade, pois trabalhariam perto de casa. Sem falar na importancia de que estes prédios estando ocupados legamente teriam manutenção mias constantes contribuindo para preservação do ambiente urbano e dos patrimônios que ali estão sejam eles cultural ou não.

Assis Humberto Ribeiro - 4ºperíodo de AU. UNIPAC Bom Despacho_MG.

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